28.4.09

Abra e não feche, mesmo que doa

Hoje de manhã, enquanto no televisor da salinha de espera peroravam qualquer coisa sobre como emagrecer pelo sexo e a forma correcta de medir o pénis (recordo-me de ter ouvido Goucha dizer algo como “não há fita métrica para o meu tamanho”, o que me deixou a pensar em como a vida afectiva dele deve ser um pânico), a assistente do meu ortodontista – há que chamar as coisas pelos nomes – debitou-me, em vez dos 68 que eram de lei, 680 euros no terminal Multibanco.

Detectei o excesso barroco assim que o papelinho assomou à boca da maquineta, como se aquele zero do “680” viesse impresso a vermelho fluorescente. Então balbuciei, com uma bola de ténis entalada na garganta mas rindo muito, “hahaha, isto hoje foi uma inspecçãozita de rotina a puxar para o carote, não há fita métrica que chegue para esta conta”.

A assistente olhou para o pedacinho de papel térmico que eu, lutando contra uma apoplexia que entretanto me assaltara, lhe passara para a mão. Inspeccionou-o por um momento, levou a mão ao queixo pensante e disse tranquilamente:

“Bolas, por 680 euros tínhamos-lhe posto uma coroa”.

Assim andam, leitor, as monarquias.

21.4.09

Hello

Estou de volta, obrigado por não desistir de mim e tal, sei que a vida por aqui não tem sido fácil.
Daqui a pouco almoçarei com a minha filha e levar-lhe-ei a sua primeira reflex Nikon, após o que ela publicará num blogue dúzias de fotos de mim tentando esconder-me debaixo da costeleta de novilho que estou proibido de comer. O meu rapaz também está fino, obrigado por se interessar. Há dias, ao telefone, ele tinha-me dito:
“Este fim-de-semana não vou ficar agarrado ao computador.”
“Não vais mesmo?”
“Não. Vou ficar agarrado à televisão.”
Mais logo eu volto, quem sabe com uma resenha ilustrada das aventuras do meu ectoplasma na pérfida Albion, um conto erótico ao gosto barroco ou uma descrição pormenorizada dos processos de construção naval ao tempo da Restauração Inglesa, ainda não consegui decidir-me mas um desses quatro há-de ser.

13.4.09

Eterno retorno

Sei que o compassivo leitor perdoará a ausência. Será breve. Entretanto, e para que as folhas do BV não vão saindo em branco, aqui vai uma selecção de mínimas que eu fui publicando, entre 2005 e 2008, no BV. Se já leu, perdoe. Se não tinha lido ainda, perdoe também.
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A pessoa verdadeiramente importante não acredita na vida depois da sua morte.

Um homem sabe que está acabado quando até as mulheres que não o conhecem o abandonam.

Essa de se achar que o incréu vive nas trevas é uma ideia ofensiva. Tivera eu luz que chegasse e protestaria por escrito.

Por muitos gritos de Munch que pintem, haverá sempre alguém com cara de jardim das delícias.

Desaparecem as aldeias, mas os idiotas ficam.

O amor não correspondido é ridículo; o amor correspondido é a mais sublime forma de ridículo.

Existem um princípio e um fim, ligados por uma eternidade.

De todas as pessoas a quem te poderiam ordenar que amasses como a ti mesmo, tinham que escolher o teu vizinho.

Montes de problemas são separados por vales de lágrimas.

Se a Terra não fosse redonda, veríamos o infinito.

Tenho uma vontade de ferro – a preguiça é que ma enferruja.

Em terra de eunucos, quem tem sexo é o pai.

O crítico medíocre é um escritor falhado porque não é capaz de escrever; o bom crítico não consegue escrever porque é incapaz de parar de ler.

Muitas vezes é numa noite de insónia que a gente abre os olhos.

Deus tem a solução, apenas não se lembra onde a pôs.

“Quem não aparece, esquece”, disse o fantasma a Hamlet.

Para o homem deitado, toda a porta é um alçapão.

Alguns sucessos são apenas fracassos vivendo acima das suas possibilidades.

Dois séculos antes de os pitagóricos se terem saído com os números primos, já os lídios tinham as moedas cunhadas.

Jamais se arrependa do que escreve: outros se arrependerão por si.

Viver para sempre facilita o crédito bancário.

Algumas pessoas são como saleiros: só damos por elas quando as levam para outra mesa.

“Malcriado” é como as pessoas que tiveram uma educação se referem a alguém que, com um pouco mais de sorte, podia ter sido criado.

O problema com os castelos no ar é aquela arquitectura tem-te não caias.

Nem mesmo Onan agiu sozinho.

Como o tabaco, a vida é um hábito que não dá para ir reduzindo.

O humorista é um náufrago voluntário. E o seu primeiro dever, em vendo-se arrastado para as costas do sentido, é morrer na praia.

Ninguém é maior do que a sua obra, mas pode chegar perto fazendo uma alimentação equilibrada.

Eles pareciam desfeitos um para o outro.

O Mundo é um grande livro em que tudo está já escrito, mas com uma péssima caligrafia.

Gémeos: o desejo de igualdade levado ao extremo.

Certeza: uma dúvida sem saída.

Seita: uma religião sem caras conhecidas.

A única forma criativa de citar é citar errando.

“Dêem-me um ponto de apoio e moverei a Terra”, disse Arquimedes, sem consciência de que isso colocaria em risco todo o ecossistema.

É escriturando uma carta comercial (e não escrevendo poesia) que se pode de facto sentir aquilo que Pessoa sentia.

Devemos conhecer-nos a nós mesmos se não queremos que outra pessoa receba a nossa correspondência.

Corajoso: aquele que foge na direcção do inimigo.

Dou comigo a ver cada vez menos televisão e isso assusta-me. Não quero perder o contacto com a realidade.

Deus sabe tudo o que aconteceu no passado, tudo o que está a acontecer no presente e tudo o que vai acontecer no futuro, o que pode ajudar a explicar um certo desinteresse.

O medo é uma reacção nervosa; a coragem é o domínio do medo; a razão é o controlo da coragem; a fuga é o comando da razão; o medo é a razão da fuga.

A pessoa que não lê porque não quer podia dar a quem quer ler mas não sabe a educação que tem mas não usa.

Finlândia: um país mítico para onde a maioria dos portugueses crê que vai depois de morrer.

Se a mente do depravado é uma lixeira, a do moralista é um aterro sanitário.

Não sinta vergonha de não achar graça às comédias de Shakespeare: eu mesmo só me rio por respeito.

Morte: pronome pessoal reflexo.

Para o zarolho, todo o amor é à primeira vista.

Vegetariano não tempera a comida, ele rega-a.

Eureka: um dia alguém fez mover o porta-multas e compreendeu que podia limpar o pára-brisas com ele.

Se vai escrever nas entrelinhas, imprima a dois espaços.

Antigamente, de todas as práticas médicas, aquela que mais impressão me fazia era a de tirarem vintes no liceu.

A meio de um noticiário ocorre-me que, se os actores gregos usavam máscaras distintas para a tragédia e para a comédia, era porque o público nem sempre conseguia distinguir uma da outra.

As maiores pérolas humorísticas são produzidas por pessoas com o sentido de humor de uma ostra.

Poeta: alguém que se aventura com a língua mais do que o pudor aconselha.

O microondas matou o banho-maria.

Um português só faz sentido na tropa.

Espertina de café: insónia sem honra.

Um homem conhece-se pelo seu ponto de embraiagem.

As aves raras poisam em lugares comuns.

Se a vida fosse como um livro, que melhor altura para morrer do que a época de Natal?

As folhas caídas transformam-se em romances que serão publicados na Primavera.

Aos 22 anos, a urgência dos sentidos; aos 44, um certo sentido de urgência.

O sinal de stop seria muito mais eficaz se significasse “direito absoluto de parar”.

A perda de prioridade não é um sinal de trânsito: é um sinal dos tempos.
Não julgue um livro pela capa: julgue a editora.

Opinião é um preconceito embrulhado para oferta.

Sempre que me sugerem uma ética das virtudes eu peço para ver a lista. Das virtudes.

Pressionar alguém para que deixe de fumar ou de beber é simplesmente sugerir-lhe que troque a sua forma de morrer por outra ainda menos eficaz.

O que não nos dizem é quase sempre verdadeiro.

“Engordará nem que seja à bomba”, disse a condessa à filha, e mandou preparar-lhe uma carbonária.~

O Mestre é o cómico. Os discípulos são apenas ridículos.

Anselmo só tomou verdadeiramente consciência de que ia para o mundo das trevas quando a Morte vestiu um colete reflector.

É muito importante que se conheça a origem da Tragédia para que se possa calcular os respectivos direitos de autor.

A mulher provocou a Queda, mas homem que é homem levanta-se.

A questão fundamental, quanto a mim, não está tanto em saber se o Neandertal podia falar; mas em saber se, podendo falar, diria alguma coisa de jeito.

Andar a filosofar é patético. Filosofar a andar é peripatético.

As imagens do cataclismo fortaleceram-lhe a determinação: fé, só mesmo numa religião em que até os bons se salvassem.

Não está certo misturar os “não sei” com os “não respondo”. Os primeiros são ignorantes. Os segundos sabem de mais.

Há cada vez mais substantivos sem emprego e adjectivos mal empregados.

Das quatro virtudes cardiais, a temperança é a que mais jeito dá na cozinha.

Para um português, a chuva é uma forma de seca.

Ler muito Hegel provoca geistrite.

Mito urbano: A província existe.

“O que o povo quer é sangue”, gritou brandindo a faca; e para que se apaziguassem as massas inventou-se logo ali a galinha de cabidela.

Era para se chamar Alegoria do Restaurante Indiano, mas nesse dia Platão decidiu jantar n’A Caverna.

O primeiro relógio inteiramente electrónico foi o americano Hamilton Pulsar.
O primeiro relógio inteiramente biológico foi o alemão Immanuel Kant.

Diz-se à boca pequena que o novo vizinho é dentista.

O saque de Constantinopla pelos cruzados foi uma coisa bizantina.

Oposto a um sinal de nonsense há sempre um outro de sentido obrigatório.

Pequenos luxos lisboetas: comer um rei sol na Versalhes.

Não faço questão de que levem o meu humor a sério. Já ficaria satisfeito se levassem as coisas sérias com humor.

No passado, o homem fazia o seu caminho baseado exclusivamente na fé. Depois veio a câmara e instalou semáforos na rua dele.

Se, como afirmam alguns estudos, as maiorias ignaras têm em geral opiniões mais correctas que as minorias bem informadas, então podemos perder a esperança de que não haja vida após a morte.

Existem apenas duas opções na vida de um homem: ir para padre ou não ir para padre. No caso das mulheres, a gama de opções é ainda mais restrita.

A ideia de que um bom solário resolve todos os problemas é uma gralha.

O humor deve ser praticado a uma distância considerável do alvo.

Toda a gente fala para si mesma. A presença de um terceiro é mera convenção social.

A maior parte dos namoros termina quando as raparigas percebem que os namorados são rapazes.

Humor é o processo pelo qual reconhecemos o insuportável absurdo da nossa existência e o transformamos num absurdo suportável.

Todo o homem tem um preço. Nem que seja esquecido nalguma peça de roupa.

O código de Hamurabi: 6339.

Se à terceira não obtiveres resposta, é provável que não estejas acompanhado.

Fundamentalista é aquele que respeita todos os direitos dos outros, à excepção dos fundamentais.

Se não tem arco, é neoclássico. Se tem, é violino.

Se não formos capazes de reconhecer os nossos erros, como poderemos culpar outra pessoa por eles?

Sabemos que um livro de memórias é mau quando acabamos de o ler e não nos lembramos de nada.

Falta menos de um mês para o fim do mundo. Depois faremos um balanço.

Filme de qualidade é aquele em que os actores insistem em não fazer o que nós queremos que eles façam.

A política é a arte conceptual por outros meios.

Não creio que vivamos numa “meritocracia”: a palavra nem sequer existe. E depois, há demasiados idiotas de sucesso.

A melhor forma de se ler um clássico é imaginar que o autor está sentado numa pequena cadeira na sala ao lado, aguardando, mortificado, o nosso julgamento; e que a qualquer momento podemos ir lá fazer-lhe uma pergunta ou dar-lhe um murro nas ventas.

Um livro é uma citação dentro de contexto.

Que lindo que é, o pinhal de Leiria com os seus eucaliptos.

Os homens têm segredos; as mulheres têm mistérios.

Imperativo, sim; categórico, talvez.

Pela emoção de se receber uma carta: todas as contas deviam ser manuscritas.

A família primeiro, pensou o futuro Cã, e matou o irmão.

Há um Sísifo em cada gilette.

Não há na Eternidade com que matar o tempo.

O sono é um adiantamento da morte. As insónias são os juros da vida. Tudo é usura metafísica.

O pior de um mau artista é o seu público.

Nenhuma grande utopia sobrevive sem restaurantes abertos depois das sete da tarde.

O conhecimento adquire-se; a sabedoria paga-se; a ignorância promove-se.

A existência de sequelas faz-me questionar a validade dos fins.

Não nos bastou perder o sentido da hospitalidade. Fomos mais longe: culpámos o hóspede por isso.

Já mais do que um fumador me perguntou (nervosamente) qual a maior diferença entre o antes e o depois. Não sou capaz de lhes mentir. A vida de fumador seria talvez mais curta, mas sempre tinha intervalos.

Sintaxe: difícil jogo de sociedade que consiste em construir frases inteligíveis utilizando apenas palavras.

Quem não percebe a diferença entre um rádio e um transístor não percebe nada de futebol.

Falo muito do que não sei, mas jamais com ligeireza.

Pôr o título à frente do nome é presunção; pô-lo atrás é um erro, a não ser que estejam separados por uma vírgula.

Não é de hoje que a francofonia tem vindo a perder terreno. Aristóteles, por exemplo, não falava uma palavra de francês.

Tudo o que ela dizia era no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Isso tornava a tarefa de a compreender muito difícil, porque terminava as frases antes de as começar.

“Enforquem o rei!”, gritava-se por todo o Nepal, mas não encontraram um lugar alto.

Na meia-idade uma pessoa abdica de tudo, menos do direito de falar a toda a hora da meia-idade.

Não concebo um apocalipse em que o arcanjo Miguel não se pareça com Steven Seagal.

Carga da Brigada Ligeira: cavalgada em direcção a uma morte certa em nome de uma causa duvidosa sob um comando incompetente. E para os cavaleiros também foi muito difícil.

Hoje entrei (inadvertidamente) num WC público de senhoras. É tudo o que imaginava.

Teve nota máxima a Matemática. Coisa genética. Já a mãe tivera cálculos nos rins.